OFICINA PARA ALÉM DA PORTA

Durante uma semana, o Galpão Bela Maré se transformou numa verdadeira fábrica, que delícia lembrar. Cubos de madeira, esquadros, cartolinas, lixas, poeira, alegria, olhares atentos ao redor; era preciso perceber, acessar, sinalizar, cartografar, visualizar e fazer da 4ª edição da Oficina de Arquitetura do Travessias “algo que vai além da porta”. É como disse o arquiteto Pedro Évora, que direcionou as atividades, realizadas entre os dias 31 de agosto e 4 de setembro.
Dessa vez, foram mais de 40 estudantes que botaram a mão na massa e montaram o novo Modelo Vivo da Maré, a maquete que ocupa o mezanino do galpão – já cresceu até as paredes! Os participantes foram divididas em 6 grupos, cada um responsável por um “pedaço” da região. O objetivo comum? Revelar a favela como parte da cidade e ampliar as fronteiras da representação do território, que começou a ser construída no primeiro Travessias.
“Assim, o projeto mostra que é ativo, e não um gesto de espetáculo; é quando transformamos a cidade através da cultura, ultrapassando o espaço do galpão”, acredita Pedro. Pra ele, uma das características mais impressionantes da região é sua densidade.
“Como as casas assumem o papel de lugar de convivência, na ausência de espaços públicos suficientes, as pessoas se tornam muito mais próximas, o que dá à Maré um potencial de criação de soluções urbanas incrível. É muito mais fácil engajar seus moradores – mais de 130 mil pessoas – em projetos de melhoria dos bairros, como a implantação de telhado verde nas lajes, que mobilizar moradores de Copacabana, vizinhos de prédio”.
Como o intuito do Pedro e dos estudantes é construir uma maquete do Rio de Janeiro começando pela Maré, ainda falta muito trabalho, apesar dos avanços em 2015.
Então, que venha a próxima oficina!
Por Glenda Almeida / 14
TRAVESSIAS DE SIGNIFICADOS E SENTIDOS

“Travessia” é atravessar, cruzar oceanos, histórias, culturas, fronteiras, vidas, marés… O Travessias é um organismo vivo. E já significa muitas outras coisas, como compartilharam alguns convidados presentes no encerramento dessa 4ª edição.
“É um projeto de arte com a diferença de que é realizado num lugar que convencionalmente não é o lugar certo”. – Alberto
“Aqui é onde liberamos o corpo; ele entra no galpão e já grita. O Travessias é um divisor de águas, um espaço de afeto.” – Renata
“A arte é mobilizadora; o Travessias é engajamento político.” – Alexandre
“É um projeto que nasceu pensando em fazer o futuro.” – Daniela
“É lugar de acesso e generosidade.” – Marcos
“O Travessias é uma comunicação radical entre o que tá dentro e o que tá lá fora; uma caixa de ressonância.” – Pedro
E pra você? O que o Travessias é?
Terminamos este post com um versinho, da Janis.
Travessias.
Ponto de inflexão
Ecologia de ações
Transformação
MARÉ DE ANFITRIÕES

“É uma bagunça gostosa”, disse a Márcia sobre o Travessias. Ela é aquela moça do “bom dia!”, que recepciona os que chegam ao Galpão pra uma oficina, festa, exposição, lembra?
Nascida no Morro do Timbau, de mãe capixaba e pai cearense, Márcia leva sua história consigo, e seu sorriso, sempre que é chamada pra trabalhar com a gente. Mora na Maré, nada contra a maré, não tem nada contra a Maré, é diarista; verdadeira anfitriã.
“No Travessias, a gente ri, já com uma saudade, e eu penso ‘poxa, que pena, ninguém pra perturbar meu juízo'” – além de seus 3 bisnetos, 5 netos e 2 filhos.
Pra todos os que vêm de fora, e aceitam o convite do Galpão, Márcia deixa a mensagem: “aqui tem coisa boa sim, olha só isso!”.

Aliás, são várias coisas boas: uma delas é, se bater a fome, partiu churrasquinho, a especialidade de outro grande anfitrião da Maré, o Antônio.
Acredita que ele trabalhou na construção da Ponte Rio-Niterói em sua chegada à Cidade Maravilhosa? Na vida, foi de tudo um pouco: carpinteiro, manobrista do Copacabana Palace… Até se especializar na arte da brasa, só mais tarde, começando lá pelas bandas do Maracanã… Desde então, onde tinha festa ele ia – e continua indo! Guarda de cor o calendário cultural da cidade. Não perde um evento, muito menos pertinho de casa.
“Na beira da rua o trabalho é correria, mas recebo bem as pessoas. Só não dá pra dar mais bola é pros estrangeiros, que não falam nossa língua”.
Pra ele, tudo de bom tá na favela.

Tipo os quitutes da Virgínia, experimenta! Ela é a anfitriã que deixa as tardes de Travessias mais açucaradas, quando seu carrinho bem-servido de bolos e tortas passa. Ela veio da Baixada, vendeu doces no sinal, até que aprendeu com uma vizinha sua primeira receita especial: bolo de cenoura. Testou, refez, aprovou, vendeu, empreendeu.
“Me sinto orgulhosa, feliz.”
Nós também!
Esse é nosso obrigado aos tantos anfitriões que receberam os convidados do projeto com experiências e carinho!
Até breve.
Por Glenda Almeida / 14
A MARÉ TRANSBORDOU

O sol, escaldante. O calor, de fritar ovo no asfalto. A Maré? Movimentada, colorida, gente pra lá e pra cá. E o galpão, como sempre, de portas abertas, deixando as pessoas se encontrarem; com elas mesmas, com novos sentidos, lugares e olhares.
O dia de despedida do Travessias 4 começou já com uma certa nostalgia do que ainda nem tinha acabado; quem trabalhou duro no projeto, mais uma vez, já sentia saudade dessa edição; tiraram foto em frente às mãos de Regina Silveira, balançaram mais algumas vezes – como num ato automático, orgânico – a escultura de Eduardo Coimbra. Dona Márcia, que sempre recebe os convidados, responsável pela limpeza e portaria, se emocionou: “é sempre muito bom trabalhar aqui” – descobrimos que ela só tiraria os grampinhos do cabelo na hora da festa, mais tarde.
A verdade, como comenta o “Tio Alberto”, uma das pessoas que faz o projeto acontecer, é que toda essa arte é pretexto, “porque nossa intenção vai além das exposições, queremos é provocar relacionamentos”.
Foi nessa direção que caminhou a Oficina de Design, primeira atividade do dia, iniciada às 11h desse sábado de sol, 14 de novembro. Veio gente de São Paulo e até da Colômbia, da favela, do asfalto. Todos se depararam com referências diferentes, com um bom bate-papo, entre recortes, colagens, desenhos e impressões – literal e figurativamente. Com atenção e carinho evidentes, Tonho, que ministrou a oficina, observou os trabalhos, conversou com os aprendizes, conhecendo um a um, ajudando-os em suas expressões. O desafio sugerido dessa vez foi observar o espaço, percebê-lo, para capturar aquilo que é “indizível” na Maré. Difícil, né?
Na grande mesa de madeira da sala com ar condicionado – fresquinha, fresquinha -, um cenário cheio de criatividade, com fitas, colas, adesivos, baralhos, lápis de cor, canetinhas. E no intervalo do almoço, já ao redor de outra mesa, num restaurante da redondeza, rolou solta a troca de ideias – e de realidades.
O encerramento do Travessias 4 tinha só começado.
Às 17h, chegaram na casa, para uma super conversa, a curadora Daniela Labra, o arquiteto Pedro Évora e o artista Marcos Chaves. Provocados por Jorge Barbosa, do Observatório das Favelas, eles fizeram a Maré transbordar; de boas lembranças do primeiro Travessias e de entusiasmo quanto à capacidade da arte de impactar as pessoas, promover acesso.
“A arte desendurece nossos corações”, “achou” Daniela. “Violência, a gente neutraliza com amor”, reafirmou Marcos. “O Travessias não é só uma fagulha; eu aposto que é potência”, acreditou Pedro.
Dona Maria Vitória – protagonista de uma das fotografias expostas no Galpão – fez questão de dar uma passadinha para agradecer, esbanjando elegância. “Muito obrigada a todos. Esse projeto é muito importante para a comunidade; vocês não fazem ideia de como me ajudaram, sou outra pessoa, com auto-estima”.
Enquanto tudo isso acontecia, era montado, do lado de fora, um paredão de caixas de som. Às 19h, a festa começou. O Seu Antônio, tio do churrasquinho, já botava a carne para assar, feliz da vida. A Dona Márcia soltou os grampinhos e vestiu uma saia florida, sorridente que só. Os artistas, curadores, as crianças e os moradores se uniram, cantaram, curtiram, e abraçaram, no ritmo do passinho, mais essa edição do Travessias.
Nos deixamos ser atravessados por uma sensação tão boa!
Que o próximo não demore! Até lá!
Por Glenda Almeida / 14
UM CÉU DE PIPAS

Os portões do Galpão Bela Maré se abriram mais uma vez para a 4ª edição do Travessias, num sábado nublado. Lá dentro, o tempo era bom: céu azul celeste com nuvens branquinhas, balançadas pelo “vento” da obra de Eduardo Coimbra.
Foi ele próprio quem conduziu um bate-papo de dar gosto, ao cair da tarde, com estudantes, educadores e jovens. Na roda de conversa, pessoas de fora e de dentro da Maré compartilharam diferentes versões de “céus” segundo seus lugares de origem.
“Em São Paulo, há fragmentos de céus entre os prédios”… “Em Brasília, vemos o horizonte amplo”… “Na Maré, o céu é cheio de pipas, e isso pode significar muitas coisas”.
Foi um momento de troca de experiências, lembranças e de reflexão sobre o processo de criação do artista; um tempo de questionar e transpor as fronteiras.
Nessa onda de aprendizado, logo depois que a prosa terminou, Janis Clémen, artista responsável pelo Programa Educativo, propôs aos participantes uma atividade prática inspirada no trabalho de Edu.
Munidos de um giz, todos foram provocados a observar o galpão, perceber os detalhes da ocupação daquele espaço; deveriam sugerir a si próprios novas formas de se relacionar com o lugar e com as pessoas que estavam ali.
Mais tarde, Marie Carangi – autora do “corte estilo guilhotina” -, Clarissa Diniz – curadora do MAR – e Eduardo Coimbra, provocados por Jorge Barbosa – diretor do Observatório de Favelas – e por Luiza Mello, se reuniram com o público para discutir de onde vinha o artista.
Marie, que é de Recife, contou sobre sua trajetória de performances, que desaguou num trabalho inusitado, cheio de significados e histórias de bastidores. “Morei uma semana na Maré à procura de mulheres de cabelos longos que topassem cortá-los na guilhotina; não encontrei os perfis de pessoas que imaginava encontrar, e sim uma grande mistura, como evangélicas de black power”.
Para Clarissa, “a ideia de arte e de artista são construções; o artista pode vir eternamente, a cada gesto, a cada intenção. Não podemos esquecer a importância das experiências sensíveis”. Em suas falas, ela não disfarçava seu sotaque sem fronteiras, uma mistura de Recife, Brasília e Rio de Janeiro, e completou: “Não devemos enclausurar a arte em qualquer tipo de território”.
Que venha o próximo encontro!
Por Glenda Almeida / 14
CARTAZ TRAVESSIAS 4


Em breve mais notícias aqui.